“O desenvolvimento do hidrogénio renovável em Portugal será gradual e repleto de desafios”

Entrevista a Francisco Machado, ingeniero de Energía en INEGI y socio de AIHRE

Francisco Machado é engenheiro no INEGI – Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial, um Centro de Tecnologia e Inovação criado em 1986, vocacionado para a realização de atividades de investigação e de inovação de base tecnológica, transferência de tecnologia, consultoria e serviços tecnológicos, orientadas para o desenvolvimento da indústria e da economia em geral.

O INEGI tem atuado no desenvolvimento de diferentes tipos de projetos de gases renováveis, contribuindo para o avanço tecnológico, a qualificação do tecido empresarial e a implementação de soluções alinhadas com os objetivos nacionais e europeus de transição energética.

  • Qual é o papel do INEGI no projeto AIHRE e como contribui para o desenvolvimento do hidrogénio renovável?

O INEGI coordenou as atividades de caracterização dos intervenientes relevantes na cadeia de valor do hidrogénio renovável na área POCTEP e do estado atual da tecnologia, de forma a definir as oportunidades e desenvolvimentos tecnológicos para promover a sua implementação na zona de cooperação, tendo também colaboração ativa nas restantes atividades do mesmo.

O hidrogénio renovável enfrenta atualmente desafios para a sua implementação, sendo a consolidação de uma cadeia de valor funcional e integrada um dos principais entraves. Uma das medidas que contribuirá fortemente para o desenvolvimento expedito da cadeia de valor será o estabelecimento de parcerias estratégicas.

Acreditamos que a criação de parcerias estratégicas entre empresas, centros de investigação e entidades públicas é essencial para acelerar o desenvolvimento do setor. Estas permitem combinar competências, criar soluções tecnológicas mais completas e fomentar a inovação.

O AIHRE é, precisamente, um exemplo concreto desta abordagem colaborativa, visando não apenas promover a utilização do hidrogénio renovável como vetor energético na região, mas também identificar os segmentos prioritários da cadeia de valor que merecem investimento e desenvolvimento, sempre com uma lógica de valorização regional e cooperação internacional.

  • O INEGI é um centro de investigação de renome. Que outras iniciativas sobre a utilização de hidrogénio renovável estão atualmente a desenvolver?

O INEGI tem vindo a afirmar-se como uma referência nacional no setor do hidrogénio renovável, com uma atuação transversal ao longo de toda a cadeia de valor. O nosso envolvimento cobre desde a investigação aplicada até ao apoio direto à indústria.

Colaboramos com diversos promotores na conceção de centrais de produção de hidrogénio renovável e na definição dos seus layouts, garantindo, deste modo, um funcionamento custo-eficiente da central. Além disso, apoiamos os promotores na procura por off-takers do hidrogénio produzido, bem como auxiliamos tecnicamente na apresentação de candidaturas a fundos que permitam a viabilização económica dos seus projetos.

Por outro lado, o INEGI tem um papel ativo no estudo técnico de diferentes processos associados a diferentes áreas da cadeira de valor do hidrogénio, seja através do desenvolvimento de ferramentas avançadas de simulação do funcionamento de centrais de produção de hidrogénio renovável, desenvolvimento de soluções de armazenamento de hidrogénio a alta pressão, análise de redes de distribuição de gás para a viabilização da introdução de diferentes percentagens de hidrogénio nas mesmas ou simulação de processos de combustão com hidrogénio, com vista ao retrofit de equipamentos existentes.

Por fim, estamos fortemente envolvidos na capacitação técnica de diferentes tipos de entidades, transferindo o conhecimento gerado em projetos de I&D para o terreno. Contribuímos ativamente para que a transição energética seja não apenas possível, mas sustentável e competitiva para os nossos parceiros.

  • Quais são as principais políticas públicas em Portugal que apoiam o desenvolvimento do hidrogénio renovável?

Portugal tem promovido a viabilização da integração de hidrogénio na economia, dando sinal aos promotores da intenção clara de o incluir em diferentes setores. Foi, aliás, um dos primeiros países europeus a formular a sua estratégia nacional para o hidrogénio (EN-H2).

No plano financeiro, o Governo português disponibilizou diversos mecanismos de apoio ao financiamento, incluindo incentivos ao CAPEX, assistindo na viabilização económica de projetos concretos. Destaca-se ainda a criação de um mecanismo de compra centralizada de gases renováveis que visa garantir a criação de uma procura inicial que sustente o desenvolvimento deste mercado.

Foram também redigidos diferentes documentos oficiais que sustentam, do ponto de vista técnico, o desenvolvimento de projetos de produção, transporte e consumo deste vetor energético. É o caso dos regulamentos das redes nacionais de distribuição e transporte de gás ou a simplificação do processo de licenciamento que envolve centrais de produção de hidrogénio renovável.

  • Quais são os principais desafios para a implementação efetiva destas políticas a nível nacional e regional?

Apesar dos avanços ao nível estratégico e da existência de instrumentos de financiamento, a implementação efetiva das políticas para o hidrogénio renovável enfrenta ainda vários desafios concretos em Portugal.

A nível nacional, um dos principais entraves mencionados é a complexidade e morosidade dos processos de licenciamento, que nem sempre estão adaptados às especificidades desta nova tecnologia. Neste sentido, além da atualização do processo atual, existe também a necessidade de reforçar a articulação entre os diversos stakeholders - promotores, municípios, indústria e academia - para garantir que são evitados atrasos.

Os elevados investimentos iniciais são outro desafio. Continuam a ser necessários apoios públicos adicionais para garantir a viabilidade económica dos projetos, sobretudo em setores onde a concorrência com combustíveis fósseis ainda é forte.

Por fim, a qualificação de recursos humanos é um desafio transversal. A formação de técnicos, engenheiros e decisores com conhecimento especializado em hidrogénio é essencial para garantir a operacionalização das políticas e o crescimento sustentável do setor.

É importante, apesar de tudo, reconhecer que muitos destes desafios já estão identificados pelas autoridades e começam a surgir iniciativas para os mitigar, desde a simplificação de processos até programas de capacitação. O foco agora deve estar na execução eficiente e coordenada das políticas definidas.

  • Que papel desempenham os fundos europeus, como o Interreg POCTEP, na promoção de projetos de hidrogénio em Portugal?

O mercado de hidrogénio renovável encontra-se numa fase inicial e com alguma dificuldade de materialização, tendo sido até ao momento evidente a necessidade de apoios à oferta e à procura para que o mesmo se desenvolva, tal como aconteceu previamente com outros vetores energéticos.

Devido ao elevado investimento e risco destes projetos, é essencial existirem fundos que ajudem a financiar o início, acompanhem a operação e apoiem melhorias na tecnologia ou na criação de redes, facilitando assim o desenvolvimento do mercado.

No caso específico do Interreg POCTEP, o foco na cooperação transfronteiriça permite potenciar sinergias entre regiões de diferentes países, acelerar a partilha de conhecimento e facilitar o desenvolvimento de soluções adaptadas aos contextos locais — algo essencial para a implantação territorial equilibrada do hidrogénio.

  • Na sua opinião, que semelhanças e diferenças existem na implementação do hidrogénio renovável entre Portugal e Espanha?

Portugal e Espanha partilham características geográficas e climáticas que lhes conferem uma vantagem competitiva na produção de hidrogénio renovável, graças à disponibilidade única de recursos renováveis que possibilitam a produção competitiva de hidrogénio renovável.

Neste sentido, são visíveis as semelhanças entre as estratégias nacionais de cada um, tendo, naturalmente, em conta a escala nacional como a criação de hubs de produção em zonas com forte potencial renovável, a aposta em projetos de escala significativa e o recurso a mecanismos europeus de financiamento.

  • Como vê o futuro do hidrogénio renovável em Portugal e na região do Porto nos próximos 5 a 10 anos?

Ao longo das últimas décadas, já houve outras vagas de interesse no hidrogénio como solução energética, especialmente durante momentos de crise energética ou instabilidade geopolítica. Porém, esses ciclos anteriores não se materializaram numa adoção efetiva e sustentada, seja por falta de enquadramento político consistente, maturidade tecnológica ou ausência de modelos de negócio viáveis.

Desta vez, no entanto, há um alinhamento claro entre metas climáticas, investimento público e maturação tecnológica o que, à partida, permite encarar com maior realismo e confiança a integração deste vetor energético na matriz energética e industrial.

O desenvolvimento do hidrogénio renovável em Portugal será inevitavelmente gradual, refletindo os desafios tecnológicos, económicos e regulatórios ainda existentes. É provável que o ritmo de adoção, nos primeiros anos, fique aquém das expectativas mais otimistas inicialmente projetadas, o que é natural para qualquer tecnologia emergente com forte impacto infraestrutural.

No curto prazo, a penetração do hidrogénio será mais expedita em setores nos quais já existe utilização atual deste vetor, como é o caso da indústria petroquímica e de refinação. De facto, já estão em fase avançada de construção projetos que visam substituir o hidrogénio cinzento por hidrogénio renovável o que, só por si, representa uma oportunidade de escala relevante para o setor.

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