Entrevista com Eduardo López, investigador do Instituto Nacional de Técnica Aeroespacial e sócio da AIHRE
Eduardo López González é doutor em engenharia industrial pela Universidade de Sevilha e integrante do Instituto Nacional de Técnica Aeroespacial (INTA) desde 1990, onde desenvolveu uma ampla carreira de pesquisa no campo das tecnologias do hidrogênio e das células a combustível (ou pilhas de combustível). O seu trabalho tem-se concentrado em aspectos-chave como o armazenamento de hidrogênio, a definição e validação de procedimentos de ensaio para células a combustível com membrana de troca protônica (PEMFC), a produção de hidrogênio a partir de fontes de energia renovável, a segurança em sistemas de armazenamento e a avaliação de combustíveis alternativos para um transporte mais sustentável.
Ao longo da sua trajetória, participou de numerosos projetos nacionais e europeus, consolidando-se como uma das vozes mais experientes no avanço tecnológico do hidrogênio na Espanha e na Europa.
- Como a experiência acumulada pelo INTA em projetos nacionais e internacionais contribui para o trabalho que vocês realizam na AIHRE?
O INTA possui uma ampla experiência na avaliação e demonstração de tecnologias de hidrogênio aplicadas a diferentes setores, tanto em aplicações móveis quanto estacionárias. De fato, nas instalações do Laboratório de Energia do INTA, em Huelva, foi projetada, construída e avaliada a primeira usina de produção de hidrogênio solar da Espanha e uma das primeiras da Europa. Essa usina vem sendo ampliada e atualizada progressivamente, com a incorporação de novos sistemas de armazenamento de energia elétrica e térmica, em configurações híbridas, que permitem otimizar a gestão dos recursos renováveis disponíveis e suprir as necessidades energéticas do usuário final — seja na forma de energia elétrica ou térmica para aplicações estacionárias, ou de hidrogênio/eletricidade para mobilidade.
Toda essa experiência na concepção, dimensionamento, desenvolvimento, avaliação e validação experimental de modelos está a ser aplicada às diversas atividades que compõem o projeto AIHRE, no âmbito da produção, armazenamento e utilização do hidrogênio, em parceria com os demais colaboradores do projeto.
- Depois de mais de três décadas em seu trabalho com tecnologias de hidrogênio e células a combustível, que evolução o senhor destacaria nesse campo desde os anos 1990 até hoje?
O avanço tecnológico em determinados setores tem sido enorme. Por exemplo, o uso de células a combustível na área automotiva passou por um desenvolvimento significativo em termos de tamanho, peso, confiabilidade, entre outros aspectos, não apenas no nível dos stacks, mas também nos componentes que integram o sistema auxiliar da usina. Esse avanço abriu oportunidades reais para essas tecnologias em aplicações como submarinos ou veículos não tripulados. Observamos como a tecnologia com membrana de polímero sólido (PEM) se tornou predominante em aplicações de baixa temperatura, especialmente na mobilidade, enquanto a tecnologia de óxido sólido (SOFC) se consolidou em aplicações de alta temperatura, como sistemas estacionários de cogeração de eletricidade e calor, deixando para trás outras tecnologias de células a combustível que, em determinado momento, pareciam promissoras.
A produção de hidrogênio por eletrólise também tem avançado significativamente, especialmente no desenvolvimento de eletrolisadores com eletrólito com membrana de troca protônica (PEM). A tecnologia de célula eletrolítica com membrana de troca aniônica (AEM) também está disponível comercialmente, embora ainda precise melhorar consideravelmente a sua durabilidade para competir de forma eficaz com outras tecnologias mais consolidadas, como a PEM ou a alcalina. No caso dos eletrolisadores alcalinos, embora nos últimos anos o seu desenvolvimento tenha-se revelado aparentemente mais limitado que o da tecnologia PEM, eles ainda desempenharão um papel importante no provável desenvolvimento de usinas de produção de hidrogênio em larga escala, principalmente devido aos seus menores custos (atualmente) e à sua maturidade tecnológica.
- Quais aspectos técnicos (produção, armazenamento, segurança, integração aos sistemas energéticos) o senhor considera mais cruciais atualmente para consolidar a economia do hidrogênio?
Em relação à pergunta anterior, a produção de hidrogênio por eletrólise e o seu uso em determinadas tecnologias de célula a combustível já alcançaram um elevado nível de maturidade tecnológica, o que permite a sua comercialização e aplicação com garantias adequadas e em larga escala em diferentes áreas, embora ainda seja necessário avançar em aspectos como o custo e a durabilidade. Em minha opinião, o principal gargalo a ser superado para consolidar esses setores e viabilizar uma verdadeira economia do hidrogênio é o armazenamento, o transporte e a distribuição do hidrogênio. Na maioria das aplicações, as usinas de produção de hidrogênio, especialmente com energia renovável, não estarão próximas dos centros de consumo, seja para mobilidade, para geração de energia ou para aplicações industriais. Isso implica a necessidade de se dispor de sistemas de armazenamento de hidrogênio que sejam seguros, de grande capacidade, de baixo custo e com perdas mínimas, tanto nas usinas de produção quanto nas de consumo. Também requer a interligação dessas instalações por meio de sistemas adequados de transporte e distribuição de hidrogênio puro ou de portadores que permitam uma formação e uma decomposição (ou hidrogenação/desidrogenação) eficientes e econômicas.
Em menor escala, o desenvolvimento e a avaliação de sistemas de armazenamento/geração de hidrogênio a bordo para aplicações móveis continuam sendo um grande desafio na implantação das células a combustível nessas aplicações, apesar dos avanços alcançados nos veículos comerciais existentes.
Além disso, outro aspecto que precisa ser aprimorado é a gestão de grandes instalações de produção de hidrogênio, incluindo a possível combinação de diferentes tecnologias de eletrólise e até mesmo a hibridização com outras formas de produção de hidrogênio, como a gaseificação de biomassa.
- Quais oportunidades o hidrogênio renovável abre para a região POCTEP em termos de inovação e competitividade?
No contexto europeu, há duas regiões nas quais o custo do hidrogênio renovável pode vir a ser competitivo em relação ao hidrogênio produzido a partir de combustíveis fósseis, dependendo, é claro, de outros fatores geopolíticos. Essas regiões são a Península Escandinava e a Península Ibérica. Na Península Ibérica, a região POCTEP engloba grande parte das áreas com as melhores condições para a geração de hidrogênio renovável por meio da eletrólise, sem esquecer o potencial existente para a produção de hidrogênio a partir da biomassa. Esses fatores posicionam a região POCTEP como um ator potencialmente relevante na produção e no fornecimento de hidrogênio renovável para usuários finais localizados em outras partes da Espanha ou da Europa. Nesse sentido, a previsão de grandes infraestruturas para o transporte de hidrogênio ao longo de toda a região, com conexões com Portugal, torna-a muito atrativa para a instalação de grandes usinas de produção de hidrogênio. Some-se a isso a existência de portos importantes, com capacidade para processar e exportar parte dessa produção para os principais centros de consumo, seja na forma de hidrogênio, seja na de outros vetores.
No entanto, essas vantagens potenciais podem transformar a região POCTEP em um centro exportador de energia, sem que o acesso a um vetor energético a um custo competitivo, complementar à energia elétrica, se traduza necessariamente em uma transformação dos setores econômicos e industriais locais, especialmente naqueles em que a redução de emissões é difícil de alcançar apenas com a eletrificação. O projeto AIHRE busca contribuir para essa transformação, ajudando a região POCTEP também a se beneficiar desse enorme potencial de geração de hidrogênio renovável e das infraestruturas existentes e futuras. O projeto AIHRE visa também criar valor agregado local, com impacto positivo sobre as indústrias, administrações públicas e usuários finais. A identificação de casos de uso representativos e a análise de como poderiam ser adaptados às tecnologias de hidrogênio disponíveis permitirão demonstrar, de forma realista, aos agentes relevantes da região o modo como essa transição poderia ser implementada, quais seriam os seus custos e que barreiras (técnicas, regulatórias, legislativas, etc.) existem e precisam ser consideradas.
Projetos como o AIHRE geram conhecimento e informações para auxiliar empresas e administrações na elaboração de estratégias e objetivos adequados nos seus processos de descarbonização, em diferentes cenários e análises de sensibilidade, podendo oferecer vantagens significativas em termos de inovação e competitividade.
- Que papel pode desempenhar uma instituição como o INTA na transição para um modelo energético mais sustentável?
O INTA é um Organismo Público de Pesquisa. Entre os seus objetivos estão a geração de conhecimento, o fomento à inovação e a transferência de avanços científicos e técnicos para os setores socioeconômicos e para a sociedade em geral. Em particular, o Laboratório de Energia de El Arenosillo, localizado em Huelva, atua há mais de 30 anos em parceria com empresas, administrações públicas, universidades e outros centros de pesquisa no desenvolvimento e demonstração de tecnologias e serviços que contribuem para a implantação de energias renováveis, o aumento da eficiência energética e o uso racional da energia, além da redução das emissões de CO2 e de poluentes. No nosso Laboratório, realizamos principalmente pesquisa aplicada, sempre com um claro foco na aplicação final e nas demandas dos usuários finais. Assim, colaboramos com fornecedores de tecnologias e serviços, tanto empresas quanto universidades e centros de pesquisa, com vistas à melhoria e otimização dos seus produtos, aumentando o seu nível de maturidade tecnológica e preparando-os para uma possível comercialização, caso exista um mercado com demanda desse produto ou serviço.
Em nosso Laboratório, não nos centramos apenas nas tecnologias do hidrogênio, mas procuramos também atender às necessidades dos usuários finais com as melhores tecnologias atuais disponíveis e previstas para um futuro próximo. Em muitos casos, propomos soluções que combinam diferentes tecnologias de geração, armazenamento e gestão de energia, como é o caso das tecnologias de hidrogênio e de baterias. Com nossas instalações experimentais, protótipos e projetos de demonstração, procuramos oferecer informações reais sobre as vantagens e também sobre as barreiras associadas a essas tecnologias, de modo que os potenciais usuários possam tomar decisões bem fundamentadas e incorporá-las às suas estratégias de mobilidade, planos de redução de emissões, de eficiência e de diversificação energética, políticas comerciais e de mercado, participação em futuros projetos de P&D&I, entre outros.
Para alcançar esse objetivo, é fundamental a colaboração com uma ampla rede de parceiros, estabelecida ao longo de muitos anos, e diversos projetos que, com as suas capacidades e experiências, complementem aquilo que o INTA pode oferecer, visando atender às demandas dos usuários finais dessas tecnologias e da sociedade como um todo.
- Para finalizar, que reflexão pessoal o senhor faria em relação ao potencial do hidrogênio como motor de transformação na transição energética e sobre o valor de projetos feitos em parceria a exemplo do AIHRE?
O hidrogênio renovável possui um grande potencial no processo de transição energética rumo a uma economia com emissões de CO2 baixas ou nulas. No entanto, é fundamental ter sempre em mente que o hidrogênio não é a solução para todos os desafios e aplicações. Ele deve ser encarado de forma objetiva como um vetor complementar à eletricidade de origem renovável. Assim, haverá situações em que o uso direto da eletricidade será a melhor opção; outras em que a solução mais adequada se baseará em tecnologias de hidrogênio; e ainda outras cuja combinação entre os sistemas de armazenamento com base em baterias e as tecnologias de hidrogênio, com sistemas adequados de gestão e controle, será a solução ideal.
Em minha opinião, é importante evitar falsas expectativas em torno do hidrogênio renovável, especialmente nesta fase inicial de desenvolvimento do mercado, pois isso pode semear dúvidas futuras quanto à sua viabilidade real. Acredito que os especialistas e instituições com experiência e trajetória nesse setor têm uma responsabilidade crucial: comunicar com clareza e rigor aos diversos agentes envolvidos, especialmente às indústrias e administrações públicas, quais setores e aplicações podem se beneficiar do uso do hidrogênio renovável, em que medida e sob quais condições esse potencial pode ter um impacto real e positivo. Isso inclui a necessidade de moderar e fundamentar devidamente os discursos políticos, que, por vezes, pecam por um excesso de otimismo não justificado, superficialidade ou desconhecimento da área, acabando por contribuir para essas expectativas falsas ou exageradas referidas anteriormente.
Como já mencionei, o hidrogênio possui o seu nicho, que é muito importante. O desafio consiste em definir com precisão esse nicho e averiguar como aproveitar as oportunidades de negócio que ele oferece. Nesse sentido, projetos realizados em parceria, como o AIHRE, com uma abordagem bem interdisciplinar, porém claramente voltada para aplicações finais e modelos de negócio, proporcionam resultados e experiências muito relevantes na divulgação dos potenciais benefícios do hidrogênio renovável na região, bem como na identificação das barreiras capazes de limitar o seu desenvolvimento. A metodologia utilizada no projeto combina ferramentas preliminares de dimensionamento de instalações; modelos e ferramentas de simulação de instalações e de demonstração, ensaios e demonstrações em instalações experimentais de tecnologias de produção, armazenamento e uso do hidrogênio; análises técnicas, econômicas e ambientais de diferentes casos de uso, com ferramentas e metodologias aplicáveis a outros [casos] que podem ser relevantes para a região POCTEP, etc. Para alcançar esses resultados, é fundamental contar com a colaboração de diversas entidades, com alto nível de conhecimento e experiência no setor, como as que participam do projeto. Somente a cooperação e a coordenação entre os parceiros podem garantir o sucesso do projeto e assegurar que os seus resultados não se limitarão a documentos e reuniões, mas terão um impacto efetivo e duradouro sobre as empresas, administrações e instituições que possam se beneficiar desses resultados.





